O grande barco

Um grande barco, que por anos a fio, navega o mar revolto e a cada dia sofre os danos do tempo e dos descuidos de seus tripulantes e passageiros. O barco navega em franco processo de deterioração, caminhando rumo ao naufrágio. No seu interior a tripulação e passageiros parecem não notar a tragédia iminente. Os salões da primeira classe ostentam festas, jantares e toda sorte de diversão. A dispensa está repleta e nada afeta a primeira classe. Por outro lado a tripulação segue empenhada em resolver as questões administrativas cotidianas e sendo cobrada pelo enorme contingente da segunda classe, para quem nem tudo são flores. Os postos de atendimento médico sempre lotado e a escola de bordo apresentam deficiência nas instalações e no trato com as crianças. Quem consegue pagar por assistência médica e escola particular para os filhos consegue viver um pouco melhor. Embora assistência médica e educação de boa qualidade, seja direito de todos os embarcados, na prática esse fato não ocorre.A segunda classe está encarregada de todos os trabalhos para manutenção e funcionamento do barco. Para isso recebem proventos com os quais se mantém durante a viagem. O serviço do bordo adotou muitas práticas e equipamentos que dispensam o uso de mão-de-obra. Como consequência muitos passageiros, da segunda classe, ficaram sem ocupação e passaram a constituir uma terceira classe. Essa terceira classe, em virtude da falta de ocupação, não tem como se sustentar e a suas famílias durante a viagem. Esses sobrantes ficam nos porões do barco, perderam a segurança alimentar, vivem em instalações precárias, a escola e a saúde deficientes são as únicas ofertas que recebem. A tripulação providência alguns parcos recursos para as famílias mais desprovidas e para os idosos ou doentes. Porém devido a falta de recursos disponíveis, estão sendo forçados a reduzir esse tipo de ajuda. Essa ajuda faz parte das regras do barco e são consideradas como direito pelas pessoas embarcadas. Porém sem recursos disponíveis a tripulação não tem como honrar esses compromissos. Os sobrantes foram crescendo em números e hoje já correspondem a ¼ da população embarcada. O que provoca tensões e conflitos muito fortes na embarcação. Todos se culpam mutuamente pelas mazelas existentes no barco, e não chegam a um consenso. Os passageiros e tripulantes de estibordo acusam os de bombordo e vice versa. Todos dizem que os recursos destinados a suprir suas necessidades estão sendo desviados e que esse desvio é o único responsável pelas mazelas. As informações são manipuladas de tal sorte, que a tripulação e os passageiros, não percebem a realidade do barco como um todo. Não percebem as mudanças reais que devem ser implementadas. Não percebem que a solidariedade resolveria o problema de todos. Na dispensa existe alimento para alimentar a todos, bastaria que fossem compartilhados. Com a colaboração de todos, os sobrantes seriam melhor acomodados e as tensões acabariam. A manutenção do barco poderia ser feita pelos sobrantes evitando o naufrágio. Todos poderiam se ocupar da educação das crianças, aperfeiçoando o letramento e ainda cuidando dos valores éticos e morais. Tornando a viagem de todos um belo passeio. Porém todos seguem entorpecidos em sua viagem, sem se dar conta da realidade que poderiam criar, caso praticassem a solidariedade, a mútua ajuda. A primeira classe em suas festas e banquetes. A segunda classe competindo por tudo para não perder sua sustentabilidade. Alguns mais eruditos, se debruçam em análises das personalidades, das atitudes e posturas da tripulação e dos passageiros, sem atentar para o iminente naufrágio do barco, presos às regras que norteiam a embarcação. E a terceira classe ou sobrantes, tentando ascender para a segunda classe eu simplesmente buscando se acostumar a miséria, achando que isso faz parte da viagem. Esse texto é uma ficção e qualquer semelhança entre esse barco, o planeta Terra, o Brasil ou outros países é mera coincidência.

Roberto
06/06/2019
Ong Evoluir